quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Os Perigos de uma História Única

Sim, estou parafraseando Chimamanda Adichie, a escritora nigeriana, que merece toda a atenção de qualquer ser mortal que se julga politizado:


Ela fala do olhar que se lança para o continente africano, em como perdemos por ver o mundo só no preto e branco. Perdemos também nas nossas vidas, generalizando classes sociais, gêneros, profissões. Acredito que a opinião genérica sobre um assunto tira o valor das coisas, as despersonaliza. O potencial de tantas pessoas e fatos é esvaziado de sentido, de ação, podendo ser facilmente manipulado por políticos e empresários abusadores. Como vi num documentário sobre a representação falsa das mulheres na sociedade ocidental (mulher objeto): "A maneira mais comum que as pessoas abrem mão de seu poder é acreditando que não o têm". Generalizar o outro é também generalizar a si próprio.


E onde entra o mundo árabe? Nesse caso, não entra especificamente, ele entra pela via da generalização que algumas pessoas têm feito a respeito do caso da estudante paquistanesa Malala, que sofreu um atentado por defender os direitos todas as mulheres à educação. Este atentado teria sido realizado pelo Talibã, grupo político que detinha o poder no Afeganistão, e fazia uma leitura extremista e desfigurada do Islã. Vejam bem: nem o Paquistão, nem o Afeganistão são países árabes, mas continuam colocando todo mundo no mesmo saco para falar desse "mundo árabe".

Claro que existe algo que os aproxima: o Islã. A religião é árabe, o Alcorão foi escrito em árabe, existem países árabes islâmicos, mas também laicos, como o Líbano, de maioria cristã. Existem milhares de realidades sociais, culturais e políticas por todo esse países de língua árabe e também de religião islâmica. A religião não transcende a cultura, ela a entremeia e é relida. SEMPRE! Ou vai me dizer que o catolicismo no Brasil é idêntico ao de Roma?

Existem pessoas - mal informadas, não más pessoas - que usam o exemplo da Malala para falar como é difícil ter paz no Oriente Médio, como é difícil que Israel possa ser um país de dois povos, com israelenses e palestinos como cidadãos de amplos direitos, como sempre que há um episódio de violência (do tiroteiro na escola de Realengo ao ataque a um templo Sikh nos EUA), tem relação com o Islã. NÃO! Eu não estou dizendo que não há violência alguma no Islã, nem que há somente! São condições, são pessoas, são atos correspondentes a uma realidade. Também não estou sendo niilista a ponto de achar que tudo é válido. Eu condeno tais ações, mas não as assimilo a um povo, a uma cultura, a uma identidade, seja política, cultural ou religiosa.

Vejamos a identidade de cada local, as pessoas mesmo mudam conforme a classe social, a cidade onde moram. E veja: todos nós somos brasileiros! Por acaso somos de um jeito só, acreditamos nas mesmas coisas, agimos da mesma forma? Um traficante no morro carioca que queima pessoas em pneus, tem sua ação legitimada por quem vive no morro automaticamente? Uma rede de tv que está associada a uma igreja, só tem como telespectadores seus seguidores de fé? 

Então porque um terrorista deste "mundo árabe" representa todos os seguidores do Islã ao passo que um terrorista norueguês cristão representa só a si mesmo?!


terça-feira, 23 de outubro de 2012

São Jorge: O Santo Ecumênico


Aproveitando que acabou o "oi oi oi" e começou a novela "Salve Jorge", achei interessante compartilhar com vocês algumas curiosidades acerca desde santo oriental, que teve grande influência na Palestina, e matou o dragão, conforme a tradição nos conta. (Eu sinceramente fico imaginando São Jorge golpeando um fóssil de tiranossauro rex para a alegria do povo local, mas isso pode ofender as crenças alheias ---> ops!)

Tanta gente fala de São Jorge, ele é falado até por quem não curte o santo, como foi a tentativa de boicote à novela recém lançada (pode ver sacanagem com Carminha e Max, mas não pode ver novela com nome de santo!haha). No Rio, São Jorge tem feriado, é padroeiro do flamengo, é chamado nas orações para combater os inimigos, e pouca gente lembra que ele é lá do "outro mundo", aquele mundo que o povo só enxerga como de terroristas e de mulheres oprimidas.

Ah sim, ele é da Capadócia, é Turquia, país europeu!rá. Sinceramente, como ouvi da excelente pesquisadora Monique Sochaczewski Goldfeld, um país repressor e com intensa perseguição à imprensa é a Turquia. Não se enganem pelas aparências. Mas deixando pra lá esse conversê com cara de fofoca marrom, na época de São Jorge aquela região não se definia com uma identidade turca, quiçá europeia, sem contar que apesar de ter nascido ali, foi criado na Palestina, tendo ido na idade adulta à Nicoméia, quando se tornou capitão do exército romano. A sua história como mártir cristão iniciou-se quando em uma assembleia na Suprema Corte Romana, defendeu os cristãos da ideia do Imperador Diocleciano de exterminá-los, assim como se declarou cristão. Por tal ousadia, foi torturado, mas jamais renegou a fé em Jesus Cristo. Existem outras lendas em torno de São Jorge, incluindo-o como um galante cavaleiro que salva uma princesa muçulmana de um dragão (daria um filme, não?).

Tendo vivido no início do séc. IV, e numa região que viria a ser habitada por judeus, cristãos e muçulmanos, a figura de São Jorge transcendeu a sua humanidade e religião, vindo a ser venerado também por judeus na figura mítica de Elias, e pelos muçulmanos, na figura mítica de Khidr. A associação com Khidr, "o homem verde" é citado no Alcorão como um homem sábio e o mais reto servo de Deus (há outras interpretações para o Khidr), no caso de São Jorge dizem que a associação provém de seu cavalo, pois os cavalos cinzas em árabe são chamados de "verdes", e para os muçulmanos que o veneram - em geral sufis e xiitas das regiões da Turquia, Síria e Palestina - ele é o santo que cura as pessoas loucas, restaurando-lhes a razão. Segundo conta o pesquisador William Dalrymple, em Belém, na Palestina, existia um santuário que recebia romarias de cristãos, muçulmanos e judeus, sendo lá considerado tanto o local de nascimento de São Jorge quanto o túmulo de Elias, e todos rezaram juntos, levando também consigo doentes para serem tratados de suas loucuras.

No Oriente, o dia de São Jorge é 6 de Maio, e ele é conhecido desde a época do Império Turco Otomano sob o nome de Hidrellez, uma corruptela de Al-Khidr. Segundo a tradição islâmica, o martírio de São Jorge teria sido retratado através do martírio de Jirjis, personagem mítico que aparece em folclores palestinos, como podem ver aqui.

Aqui no Brasil também temos a associação de São Jorge a Ogum, orixá das religiões africanas, e é um santo de grande empatia por muitas classes. Não é à toa, portanto, que a novela tenha apelado a ele para resguardar sua história. Ainda que na Turquia mais de 96% da população seja muçulmana e não cristã (não sei se a novela retratará isso), a figura de São Jorge não está excluída de sua identidade cultural.



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ghazal - Poesias De Amor


As poesias amorosas já existiam desde a época pré-islâmica, mas somente nos períodos omíada e abássida ganharam notoriedade, sendo a mesma associada ao desejo, a espera pelo ser amado, carregando um ar de misticismo, divino e também erótico. Este gênero poético é conhecido como "Ghazal", as poesias de amor.

Dentro do que chamamos de Ghazal, podemos definir como sua faceta mais popular a poesia erótica, chamada de Hissí. Não foi à toa que as atenções se voltassem a este estilo, a erotologia foi considerada ciência por um longo período na Era de Ouro do Islã, sobretudo no período da Falsafa, quando se era reconhecida como 'ilm al-bah. Durante exatamente este período que tanto a filosofia quanto a literatura buscavam respostas e anseios por meio do erotismo e sua apreensão. O precursor deste estilo foi o poeta  ʿUmar ibn Abī Rabīʿah.

Diversos literatos e poetas fizeram sua história em linhas sedutoras, que percorriam desde um amor casto (Banu Udra) ao homoerotismo (potencialmente na figura do poeta Abu Nowas). Estes poetas têm sido descobertos pelo Ocidente, e uma dica atual - para quem quer conhecer de primeira essas poesias - é a ficção erótica "À Prova do Mel" de Salwa Al-Neimi, em que encontramos uma mistura de narrativa romancesca contemporânea com as passagens de erotólogos árabes do Islã Clássico.

Vamos mostrar algumas poesias para encher seus olhos - ao menos de curiosidade!

Abu Nowas

Eu morro de amores por ele, perfeito em todos os sentidos,
Perdido nas cepas de música flutuante.
Meus olhos estão fixos em seu corpo delicioso
E eu não raciocino diante de sua beleza.
Sua cintura é um rebento, seu rosto uma lua,
E a ternura escorre por sua bochecha rosada
Eu morro de amores por você, mas mantenha este segredo:
O laço que nos une é uma corrente inquebrável.
Quanto tempo levou sua criação, oh anjo?
E daí! Tudo o que eu quero é cantar em seu louvor.
(Amor em nascimento após Monteil)


Há homens que gostam de mulheres
e aqueles que as fazem felizes;
mas, quanto a mim, todo o prazer vem
no corpo de um mancebo!
Quando mal passado seu décimo quinto ano,
Mechas de cabelo começam
a formar em seu rosto: uma ternura desce
relutante a esconder a pele.
Um menino nessa idade não teme mais
as coisas que sonhamos fazer com ele, 
e ele perdeu sua alma infantil
que nunca pensou em estragar!


Ghalib Al-Rusafi
Disseram-me, insistindo em me censurar
porque eu o amava, 'se só você não tivesse se apaixonado por um menino vil de baixa condição".
Eu lhes respondi: "Sim, se eu fosse capaz de controlar
meu amor, eu também não o teria escolhido, mas
este poder eu não tenho. "
Eu o amo pelos seus dentes, como bolhas,
por sua respiração perfumada, porque seus lábios
são doces e por suas encantadoras pálpebras - e os seus olhos.
Ele é uma pequena gazela cujos dedos
não cessam de brincar no fio de giro,
como meus pensamentos, ao vê-lo, não deixam de
brincar com a poesia erótica.
ele brinca alegremente com a lançadeira
sobre os teares como dias de folia com esperança.
Espremendo o pano com as mãos ou segurando
com seus pés, ele parece ser uma gazela
lutando, capturado nas redes.
(Dedos Ocupados)


Ibn Hazm
Pertences ao mundo dos anjos ou ao dos homens?
Diz-me porque a confusão zomba do meu entendimento.
Vejo uma figura humana, mas se uso da minha razão
acho que o teu corpo é um corpo celeste.
Bendito seja O que equilibrou o modo de ser das suas criaturas
e fez que por natureza fosses maravilhosa luz.
Não posso duvidar que és um puro espírito atraído a nós
por uma semelhança que enlaça as almas.
Não há mais prova que ateste a tua encarnação corporal
nem outro argumento de que eras visível.
Se os nossos olhos não contemplassem o teu ser, diríamos
que eras a Sublime Razão Verdadeira.
(O Colar da Pomba)


Hafsa bint al-Hajj Arrakuniyya
Se eu te mantiver em meus olhos até que o mundo exploda, eu ainda quero mais...
Eu conheço muito bem aqueles lábios maravilhosos.
Por Deus, eu não estou mentindo se eu disser que amo bebericar seu orvalho delicioso, mais fino que vinho...
Se você irrompe ao meio-dia, você precisará de uma bebida e você a encontrará em minha boca
Uma fonte borbulhante e em meu cabelo uma sombra de refúgio.


Achando mais poemas, coloco aqui...

Meu Coração Flerta Com o Lado Turco...

Eles estão próximos, não é? Mas não são iguais! Tão diferenciados hoje em dia que é um fator de discórdia se você colocá-los no saco do "mundo árabe-islâmico". Mas por que não colocá-lo? Afinal até um pouco recentemente o que chamamos de oriente médio e próximo fazia parte do Império Turco Otomano, a ponto de imigrantes desta região no séc. XX serem só chamados pelo codinome "turco", não importando se fossem libaneses, palestinos, egípcios, etc.

Depois do fim do Império, o que sei é que fizeram toda uma campanha para disassociar a Turquia do ser árabe, apesar dela permanecer majoritariamente islâmica. Ocidentalizaram o alfabeto e certas tradições ligadas ao sufismo, como os derviches, viraram símbolos folclóricos, sem o peso de uma identidade religiosa, até mesmo nacional. E o que hoje ainda evoca a cultura turca, que também me atrai? Vamos listar:

1 - Tarkan:

Ele é gay?, me perguntaram. Ele rebola e faz uns shimmies, hahaha, mas acho que é cultural, afinal de lá que vieram os koçeks, os dançarinos que se apresentavam como mulher. Todo mundo conhece a vulgo "kiss-kiss", que no Brasil ficou "selinho na boca la-la-la-la-la, intimidade doida la-la-la-la-la" (sim, outra pérola do Latino).
Mas quanto ao óbvio, Tarkan é super gato! Não entendo lhufas do ele fala, mas com o olhar ele já me traduz muita coisa! Por sinal adoro os olhos deles com kohl, gente porque aqui só emo contorna os olhos de preto?! Que desperdício de sex appeal.
Aqui abaixo uma das músicas que mais gosto dele:




2 - Omar Faruk Tekbilek:

Com ele descobri o que é maqam... Na verdade, eu só descobri, porque ainda não consegui entender por completo. Só sei que é incrível a estrutura da música oriental, seus vários tons e semitons, que me faz compreender porque eles firulam tanto nas músicas, aquele familiar lamento. Enquanto pensamos que eles estão apenas "sofrendo", eles estão também cantando cada cadência do maqam!
Do Omar existem muitas músicas, adoro Nihavent, Last Moments of Love, Shashken, mas sem dúvida a minha favorita é "I Love You". É de uma profundidade extasiante:


3 - Capadócia:
Agora essa região maravilhosa vai aparecer na novela das oito (que passa às nove). Eu nunca fui lá, na verdade nunca saí do Brasil, mas é um grande sonho caminhar por dentre aquelas rochas pontudas, ver aqueles balões coloridos que perpassam o céu, eu nem sei, mas me parece que o ar de lá deve ser ótimo de respirar também (a louca). Sei que é lindo demais! A chamam de terra de São Jorge, santo devocional de católicos e de alguns sufis e xiitas.




4 - Gato Turco Van
Nem eu sabia que existia, mas só de ver me apaixonei! É uma espécie de gato rara que vive na Turquia, que ama a água, por isso é chamado de gato nadador. Infelizmente ele não gosta de ser abraçado e pegado no colo, o que reduz muito a minha chance de tê-lo devido à minha condição "felícia" com animais de estimação.

Personalidades Históricas: Princesa Wallada


Se você acredita que o auge do feminismo veio nos anos 20 com Simone de Beauvoir, Marguerite Duras e Anaïs Nin, pode começar a mudar seus conceitos quando ouvir falar das mulheres influentes de Córdoba, na época islâmica!

Brincadeiras à parte, pois não quero pecar pelo anacronismo, algumas mulheres detiveram de esplêndida liberdade social e até sexual, numa época em que os homens permaneciam como cabeças e senhores de sua sociedade. Estas mulheres tiveram papel de grande importância sobretudo para a cultura aristocrata local, e uma destas mulheres foi  a princesa Wallada Bint al-Mustakfi.

Do séc. XI, mesma época do meu amadíssimo Ibn Hazm (falarei dele em breve), Wallada era da família de Beni-Omíadas, filha de um dos últimos califas omíadas, era famosa por seus versos e seus amores, em especial com o poeta Ibn Zaydun. Loira de olhos azuis, como todos os califas cordobeses, e um ideal de beleza na época, resplandecia não somente em beleza, mas em inteligência, sendo quase que um enigma para os homens que a conheciam. Foi uma das mais importantes literatas da época. Após a morte de seu pai, pelo mesmo não ter descendência masculina, Wallada herdou seus bens aos 17 anos, e passou a abrigar em seu palácio jovens moças dispostas a aprender a arte da poesia, do canto e também do amor. As jovens iam desde nobres a escravas. Além de rica, Wallada foi a mais escandalosa das mulheres, dispensava o véu, como muitas outras, e bordava em seus vestidos seus versos.

Com Ibn Zaydun, poeta mais atraente e refinado na época (um Ian Somerhalder da época, haha), Wallada desfrutou de um grande e apaixonante amor, rodeado de ciúmes, cartas e versos. Por fim, Wallada rompeu com o amante após ele a ter traído com sua escrava e foi viver com o vizir Ibn Abdus, deixando Ibn Zaydun transtornado. Este, com raiva e magoado, passou a trocar farpas e acusações em versos com ela, vindo a perder sua fortuna, ser preso e por fim exilado (dizem que Wallada que fez isso com ele, de vingança!).


Aqui temos uma canção feita pelos versos do poema "Desenganos e Reprovações" da princesa:



A letra - escrachada -  da música:
Certamente Ibn Zaydun, apesar de seu prestígio,
Estava a soar por entre as barras das calças.
Se visse um pênis em uma palmeira
Ele seria a ave mais rápida.

Certamente Ibn Zaydun, apesar de seu prestígio,
Injustamente calunia a mim, sem eu ter qualquer culpa.
Sempre que me aproximo dele, ele me olha com ressentimento,
como se eu tivesse castrado 'Ali.



Briguinhas de casal à parte, que se seguiram após o rompimento, Ibn Zaydun e Wallada, parece que nunca se deixaram de amar. Ele, em seu exílio, passou a vagar pelas ruas entoando juras de amor a ela, escrevendo nesta época seus mais famosos poemas. A princesa, mesmo envolvida com outro homem, também lhe respondeu em versos, quando estes chegaram até ela. Seguem alguns poemas da dela:

"Quando no centro de minha alma
Te falo de amor, vida minha
O coração se destroça
Das lembranças desta vida.
Aqui ausente choro por ti
Minhas noites passam sombrias,
Porque nunca tua beleza
Com tua luz as ilumina.
Eis que de ti me afastaram
Então eu não temia:
Hoje julgo ver-te de novo
Doce e sonhada mentira."

"Desde que deixei de ver-te,
As forças me abandonaram,
Descobri o mistério
Que só a ti havia confiado.
Vão moer meus dentes,
Se me intimido e me abato,
Não tento o impossível
Para viver ao teu lado.
Quisera Deus ver novamente
Possa eu teu soberano
Rosto, belo como a lua,
Claro como as estrelas.
Ora, em minhas escuras noites,
Lamento-me, recordando
As brilhantes que contigo
E tão rápidas passaram."

Ainda que aparentemente amasse Ibn Zaydun, Wallada permaneceu até o fim da vida com o vizir, seu protetor. Alguns seriados e filmes foram realizados para retratar a vida da aristocracia cordobesa na época do Califado, aqui temos um trecho representando a princesa e seu amado poeta:


Sinceramente eu detesto essa atriz, a acho forçada, parece que não tá sentindo as falas, só repetindo e levantando a sobrancelha.

Aqui uma poesia de Wallada recitada em árabe e com tradução em português:

Meu coração diz...

A vida é engraçada, especialmente nos dias de hoje em que podemos ser o que imaginarmos. Temos acesso a milhares de informações, culturas, etnias, às vezes nos identificamos com elementos que não fazem parte do nosso dia-a-dia, da nossa nacionalidade.

Nasci brasileira, mãe e pai brasileiros, falante de português, mas impressionantemente fascinada por um mundo além do meu: o mundo árabe. Ou seria o mundo islâmico? Ou seria os dois fundidos numa cultura que perpassa séculos de existência?

Lembro de quando criança querer dançar, montar roupas de odalisca, de aproveitar os filmes sobre Jesus para ouvir a música que tanto gostava; de ouvir Débora Blando, Loreena Mckennitt para ter por perto acordes que me cativassem. Lembro de pegar o lençol e usá-lo como véu; lembro da minha amiga de infância, hoje muito menos árabe do que eu, mas de família muçulmana, me contar de suas histórias familiares. Lembro de me imaginar com o nome "Soraya", lembro de imaginar um sheik para mim quando eu completasse 15 anos.

Ridículo, não? Hoje eu acho ridículo mesmo, eu apenas reproduzia um imaginário orientalista, algo envolto em mistério, sensualidade, paixão. Eu era a reprodução de um estereótipo, mas sinceramente não lembro quando e como tive contato com isso, antes mesmo de Alladin ser um personagem da Disney (até porque minha princesa favorita era Ariel e não a Jasmine). Lembro apenas de me encontrar fascinada, e querer ser parte de um mundo de sonhos, que nunca existiu.

Ou algo poderia se aproximar dele? Hoje imagino Al-Andalus como o espaço dos meus sonhos: princesas, literatos, poesia, erotismo. Lá gostaria de ir e vir, a todo esse mundo que divide uma história, ainda que pincelada em culturas das mais diversas, ver, sentir o que são, como são, como veem o mundo que os cerca e como veem aquilo que está além deles. No fundo me sinto frustrada por ser mulher, não pela função sexual, mas por viver limitada a desbravar tantos mundos e cantos, por não poder me fazer respeitar por onde quer que eu fosse.

Se fisicamente essa viagem para mim é difícil, arriscada, ou impossível (não tenho dinheiro e nem sou um bon-vivant do séc. XIX), me restam os livros, os relatos, os filmes, as músicas. Eles me transportam e me seduzem, não com um olhar orientalista, preconceituoso, um olhar que quer ver o que há dentro de si e não o que é aparente, mas um olhar da compreensão, da persuasão, do questionamento. O que é este mundo? Por que nos referimos a ele como outro mundo, quase que noutra dimensão? O que perpassa nele e em mim, daqui, longe, mas perto por um sentimento de pertencimento, sem de fato pertencer.

Aqui no blog quero escrever sobre meus sentimentos, sobre meu olhar e minha pesquisa. Como historiadora, eu mais do que estudo meu objeto de pesquisa, eu o amo.